sábado, 29 de maio de 2010

Sobre Gratidão Filial

D. Fátima é aquele tipo de mãe que é pura dedicação. Mesmo tendo sido necessária a ajuda de uma prima na criação dos seus 8 filhos, Fafá, como gosta de ser chamada, sempre esteve presente no dia a dia de seus rebentos, dividindo a vida entre a roça e os meninos. Típica senhora de interior, viveu a maior parte do tempo com sua mãe, já muito idosa e viúva. Quando criança, Fafá teve oportunidade de ir à capital algumas vezes, e depois que se casou com o Sr. Luiz mais umas 2 ou 3.
Apesar de todos os "pesares" que circundam as vidas das pessoas, especialmente as que têm as mãos calejadas e a pele já bastante queimada pelo sol, Fafá tinha um grande sonho, que nunca dividiu com ninguém. Ela não queria parecer egoísta por querer tanto "a coisa mais difícil do mundo" enquanto as pessoas à sua volta só queriam o sossego de suas redes de balanço e a comida à mesa. Depois de quase 20 anos de casada, eis que uma sirigaita veio mexer na sua plantação. Dona Fafá, que num era mansinha nem nada, botou a danada para correr com o traste do Seu Luiz. Este, por sua vez, arrumou as malas e levou a metade dos meninos pra capital, deixando o mais velho pra cuidar dos três caçulas e do que restasse daquela mulher que ele tanto disse amar, mas que não lembrou uma vez sequer de respeitar.
A vida não estava nada fácil em nenhuma parte, e isso já faz uns 15 anos... Lá a pobre de Fafá arregaça as mangas e se põe a servir, contando com a sorte, com a chuva e com sua prima, sempre tão fiel ao seu lado. Um belo dia, depois de muita labuta, Fafá senta pra ver a televisão chiada e começa a falar sozinha "isso tudo deve ser tão lindo... mesmo que lá seja tudo diferente, deve ser tão lindo... Olha só... Me arrepio só de pensar!" Maria, a tão estimada prima, tenta puxar assunto, e nada de Fafá falar... até que esta adormece.
Para surpresa de Maria, Luiza acorda e vem ficar com elas no sofá. "Silêncio, a mamãe tá dormindo" As duas ficam observando os sorrisos de D. Fafá e as conversas sobre montanhas, rios, praia, avião... Avião?? "Que cara estranha ela faz quando fala a palavra avião. Deve de tá com medo!" Pronto! Mistério desvendado! Aquela história rendeu longas risadas depois que todos acordaram... é claro que ninguém daquela casa nunca ia andar de avião nem ver tudo aquilo que a mamãe queria. Como? Com que dinheiro?
Os anos passaram, os filhos foram casando, e mudando-se para fazendas ou municípios vizinhos, ficando com Fafá apenas o Raimundo e a Luiza. Raimundo, atrevido que só ele, dizia desde muito novo que ia se casar com uma mulher da cidade grande! "Mas eu nunca vou esquecer a senhora, mãe" Luiza, uma tranquilidade em forma de gente, disse que até gostaria de morar na capital, mas só quando dona Fafá pudesse ir com ela...
E assim fizeram! Se mandaram os três para a capital assim que Luiza terminou os estudos no interior e que os dois podiam disputar, enfim, para ingressar numa universidade. Sabiam das dificuldades, mas tinham alguns parentes distantes que poderiam ajudá-los um pouco. Encurtarei a história (já longa demais!) porque esses danados passaram por poucas e boas. Não vou dizer que o Raimundo é um folgado, porque ele era muito estudioso e inteligente, mas depois que conheceu a danada mulher da cidade, parece que esqueceu do que haviam passado até agora... e do que havia prometido. Realmente ele não esqueceu a Fafá... sempre que sentia fome, dor ou que tinha algum problema, ele bem que lembrava dela! Nesse meio tempo, Luciana, filha mais velha dos 8, voltou pra barra da saia com um menino na barriga, aumentando o trabalho da pobre da Fafá, que não se importava porque tinha o coração muito grande!!!

E, como era de se esperar, Raimundo prosperou na vida e casou-se com a moça da cidade! Adivinha?! Lua de Mel em Salvador! Avião, rios, praia...

Luciana, Luiza e Fafá, juntas desde então, levam a vida da família, das outras pessoas que apareceram nesta casa, dos netos...

Mas um dia desses eu estive na casa das meninas e conversei com elas a noite toda... (ô meninas engraçadas!) e, como não poderia ser diferente, conversamos sobre sonhos e futuro... e a menina Luiza lembrou daquela noite, quando D. Fafá assistindo a novela contou a todos de seu sonho. Eu, mudando inocentemente de assunto por ver o constrangimento que isso gerava na senhora, perguntei: por onde anda o Raimundo? E fiquei sabendo que ele mora na zona nobre da capital, que viaja 3 vezes ao ano e que não pensa em ter filhos por enquanto... Nossa! Fiquei muito feliz! Ele é um menino muito bom e merece esse crescimento todo! Imagino que a senhora, D. Fafá, já conheça a metade do país... que delíc...
- Não se iluda, amiga. - Me responderam em côro as Lus. Aquele sonho da mamãe ainda é só sonho... Raimundinho vive o sonho dele.

Engoli dificilmente o último gole do guaraná ao ver aquela senhora levantar-se recolhendo a louça e encerrando a "festa". Entendi que ela não gosta quando as meninas falam dele, porque ele é um orgulho para ela, plena representação da vitória.
Mas a lágrima que se escondia no canto do olho era lágrima de espera, da esperança que a promessa do Raimundo fosse cumprida... e que "nunca vou esquecer a senhora" um dia viesse a significar: vou sempre lembrar da senhora.

Eu sei que D. Fafá vai realizar seu sonho. Assim que a Lui e a Luci puderem, a segurarão pela mão e a levarão consigo, como fazem em tudo e para tudo.

4 comentários:

  1. Que lindo texto!
    Dizem que os filhos são como pássaros: basta que cresçam as asas para que voem.
    Amor de mãe é algo mágico mesmo...

    ResponderExcluir
  2. É algo que todo pai e mãe deve saber que um dia virá: eles partirão e seguirão seu próprio rumo... filhos foram feitos para dissemnar a própria imagem dos pais.

    ResponderExcluir
  3. Nossa Evelissa, belíssimo esse texto. Tocou-me profundamente, de verdade.

    Têm um selo pra você lá no meu blog tá.

    Um grande abraço.

    ResponderExcluir
  4. Ganhei um selo e indiquei vc!
    Tá aqui ó: http://tudoquesepensa.blogspot.com/2010/06/ganhei-um-selo.html
    beijos

    ResponderExcluir